É inútil procurarmos desvendar as origens e a natureza dEla. Ao invés do sucesso, nos perderíamos na espiral eterna onde habita.
Não
há um escritor, trovador ou poeta que não A conheça, mesmo sem o
saber. É normal e aceitável que não o saibam. Apenas contemplam o
abismo de Seus olhos, que devoram a realidade. Se Shakespeare A
compreendesse, A teria subjugado por uma fração de eternidade.
Escravos
do desejo de possuí-La e aprisioná-La, se arrastaram na vã
tentativa de alcançar Sua forma sedutora. Porém, mesmo sem ver,
sentir, tocar ou mesmo perceber, acabamos por usá-La, devorá-la em
noites e noites sem fim com vergonhoso despudor.
E
a cada amanhecer Ela nos cospe com o desprezo que Lhe é devido. O
gozo da criação se torna o amargo desespero de Sua rejeição e
ausência. A queremos de volta. E Ela nos atende, apenas para
arrancar novamente o vigor. Noite após noite.
Dessa
forma, se fez cada vez mais real no imaginário tragado ao material.
Ela
é o lampejo que nos trai a lucidez.
A
epifania que nos ensoberbece.
É
o sonho que traz inspiração e, tão rapidamente quanto veio, se
esvai de nossas garras, presas ao lápis trêmulo e flácido.
É
a totalidade que insistimos em fragmentar em mil pedaços além da
nossa compreensão. Frustrados, só nos resta remodelá-los, baseados
em um reflexo embaçado de uma poça d'água agitada. Damos nomes,
pois não nos conformamos com a existência do inominável, e A
adaptamos à vil experiência humana. Tornamos tais percepções
dEla, antes sublimes, em meros fragmentos da nossa própria
experiência.
Vive
de nossa inimaginação, multiplica quatro raízes em terrenos
inférteis do mundo de Platão e faz crescer ali um matagal de
criações. Apenas para arrancá-lo com crueldade brutal, levando com
as raízes pedaços de nossa mente parasita.
Seus
pequenos olhos faiscantes de mil cores observaram geração após
geração, zombando de nossas palavras orgulhosas. Palavras incapazes
de capturar qualquer traço de Sua essência que as permeia, as
molda, as beija com lascívia, e as abandona, tornando-as mera
forma desprovida de seu real conteúdo. Toda palavra é, assim, um
casulo abandonado, exibindo a todo olho a forma que antes ali
habitara, e que já não é.
Quando
lhe vier, não deve ser refletido, não se deve perscrutar; a única
coisa a ser feita é se render, permitir ser invadido, e consumi-la
com o ardor de uma primeira noite. Tentar captura-la é como agarrar
a um vento zombeteiro que espalhará sua mente como folhas no outono.
E
ao vê-La com outro, não alimente o ciúme na alma. Pois assim
é Ela. Trocará suas palavras pelas de um qualquer. Não há palavra
semelhante, e Ela saboreará o gosto, o cheiro e a textura de cada
uma.
0 comentários:
Postar um comentário